Revista Brasileira de Hematologia e HemoterapiaPrint version ISSN 1516-8484Rev. Bras. Hematol. Hemoter. vol.27 no.3 São José do Rio Preto July/Sept. 2005
História da Hemoterapia no Brasil"A transfusão de sangue teve dois períodos: um empírico, que vai até 1900, e outro científico, de 1900 em diante. No Brasil, em 1879, um relato discutia se a melhor transfusão seria com sangue de animais para humanos ou entre seres humanos. Na era científica, os pioneiros da hemoterapia foram cirurgiões do Rio de Janeiro. Por volta de 1920 surgem os primeiros serviços organizados e de constituição bastante simples. Destaca-se, nos anos 40, no Rio de Janeiro, o STS (Serviço de Transfusão de Sangue) por ter, além da conotação assistencial, atividades científicas. No final desta década, é promovido o I Congresso Paulista de Hemoterapia, que forneceu as bases para a fundação da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, em 1950. Em 1965 cria-se, por iniciativa do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Hemoterapia, estabelecendo normas para proteção dos doadores e receptores de sangue. Mesmo assim, chegamos em 1979 com um sistema desorganizado e desigual na qualidade dos serviços prestados. Nos anos 80, a criação da Política Nacional do Sangue, a campanha da doação altruísta de sangue da SBHH e a Constituição de 1980 deram outra dimensão à hemoterapia brasileira. Chegamos então ao contemporâneo onde a desastrosa ocorrência da AIDS em pacientes transfundidos obrigou a novos conceitos e cuidados. Além disso, outros fatos importantes contribuíram para a hemoterapia no País, como o conceito da hemoterapia clínica, fatores econômicos, desenvolvimento da genética molecular e biotecnologia, a terapia celular, a renovação de equipamentos, a automação e computação, os sistemas da qualidade e o interesse do hemoterapeuta por áreas científicas de ponta."
A Cooperação Brasil-França e o Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados
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A Cooperação Brasil-França em Hemoterapia iniciou-se em 1961, quando o então presidente Jânio Quadros incumbiu Luiz Tavares da Silva, eminente cirurgião pernambucano e professor universitário, de viajar para a França para "comprar" dois bancos de sangue e instalá-los no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que acabou não ocorrendo em virtude da renúncia do presidente. No entanto, em 1962, Tavares da Silva viajou à França, e o governo francês colocou à sua disposição quatro bolsas de estudo para especialização em Hematologia e transfusão de sangue. Ao nosso colega Luiz Gonzaga dos Santos foi cedida a primeira bolsa.
Visando a capacitação técnico-científica, principalmente na formação de recursos humanos, o programa Brasil-França foi intensificado em 1977 com a inauguração do Hemocentro de Pernambuco (Hemope). Concebido de acordo com o modelo dos centros franceses de hemoterapia e dirigido por Gonzaga dos Santos, serviu como base, em 30 de abril de 1980, para a criação do Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados ( Pró-Sangue).
O Programa Nacional de Sangue estabelecia uma ordenação do Sistema Hemoterápico no Brasil, criando hemocentros nas principais cidades do País, tendo como diretrizes a doação voluntária não remunerada de sangue e medidas para segurança de doadores e receptores. Foi coordenado inicialmente por Luiz Gonzaga dos Santos, que, com sua determinação e dinamismo, obteve um avanço considerável.
O Programa Nacional de Sangue transformou-se, posteriormente, em Coordenação de Sangue e Hemoderivados, passou do Ministério da Saúde para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e atualmente volta a ser um programa ministerial."
A Campanha de Doação Voluntária de Sangue da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia
Em 1979, a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia era presidida por Celso Carlos de Campos Guerra. Inconformado com a situação das doações de sangue em alguns serviços do Brasil, muitas vezes realizadas por presidiários em troca de cigarros, ou por mendigos em busca da remuneração, estimulou e liderou diversos colegas de São Paulo, entre eles Luiz Gastão Rosenfeld, Jacob Rosenblit, Nelson Hamerschlak, Pedro Maçanobu Takatu e Leonel Szterling, em uma cruzada por todo o País, que culminou em junho de 1980 com a extinção da doação remunerada de sangue no Brasil.
Para atingir este objetivo, Celso teve o apoio de todos os hemoterapeutas do País e contou com a ajuda da comunidade médica e órgãos de classe como a Associação Médica Brasileira, Associação Paulista de Medicina, Associação Paulista de Propaganda, Associação Brasileira de Relações Públicas e da Imprensa de forma geral.
Destaca-se a cooperação do Sr. Rafael Sampaio, designado pela Associação Paulista de Propaganda e que teve um papel fundamental no desenvolvimento de peças publicitárias, anúncios de televisão, revistas e jornais.
Naquela ocasião, a estratégia para a obtenção do doador altruísta, a exemplo de países desenvolvidos, era conseguir o chamado doador de reposição (familiares e amigos dos pacientes) que eram sensibilizados e conscientizados para o ato de doar. Aquilo que parecia impossível aconteceu sem qualquer desabastecimento, que era o principal temor dos organizadores da campanha. O Brasil, que naquela época tinha 80% de doação remunerada, passou a ter exclusivamente doadores voluntários.
Conclusão
A hemoterapia brasileira desde os seus primórdios demonstra a busca por uma organização e modelo característico de nosso país. Destacam-se o pioneirismo das artesanais transfusões realizadas por alguns cirurgiões na tentativa de salvar vidas, a criação dos primeiros Serviços de Transfusão nos anos 40, o advento da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia em 1950, a Campanha da Doação Voluntária da SBHH de 1980 e o Programa Nacional de Sangue com a criação de hemocentros. Hoje vivemos uma hemoterapia acoplada à hematologia, inclusive nos curriculuns universitários; Serviços de Hemoterapia de excelência na maioria dos hospitais e hemocentros de qualidade. O hemoterapeuta vam deixando um papel passivo tornando-se um especialista de destaque na comunidade médica, hospitalar e universitária, implementando tecnologia e conhecimento em benefício dos pacientes. A nova fronteira que é apresentada à hemoterapia no século XXI relaciona-se a tudo aquilo que a medicina considera hoje como ciência de ponta, como a biologia molecular, a engenharia genética e a terapia celular.
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